Mais um dia com os Sem abrigo :(

Sem abrigo? Todos sabemos, infelizmente, o que são, mas poucos sabemos quem são… como vivem, o que comem, o que pensam… Alguns elementos da RSA experimentaram estar mais próximos, tentar sentir o que lhes resta, espreitar um pouco da realidade das suas noites.

O desafio foi lançado meses antes, mas só no dia 16 de Outubro às 19.30 é que pude ter a certeza da minha participação nesta iniciativa, um par de horas antes do que estava marcado. E assim foi, enquanto estava com o Carlos a preparar uns doces para levar para os nossos amigos da rua, perguntei-lhe se ainda poderia participar, a resposta imediata foi um “claro que sim” diz o Fernando.

À hora Marcada aparece também o Miguel e o Fernando vindos de São João da Madeira. Partimos no meio de uma enorme chuva, para o sítio onde é costume todos os domingos o pessoal da RSA se reunir para fazer a ronda.

 Mas esta noite era especial, diferente de todas as outras. Chegamos à garagem, já estavam grande parte dos elementos que tinham confirmado as suas presenças para aquela noite, todos com um sorriso e prontos para a aventura, “ mas será que estávamos preparados para essa aventura?”. Cada um tinha-se comprometido trazer um doce ou um salgado feito em suas casas, quando juntamos o que cada um tinha trazido, ficou uma mesa bastante farta, bolo de chocolate, bolo de iogurte, bolo de maça, queijadinhas, bolas de carne e uns tantos salgados, uma mesa bem recheada, todos aquelas iguarias acabadas de fazer, cheiravam tão bem, que ninguém ficou indiferente e tivemos que provar o que cada um trouxe.

 Sem duvida que estava tudo óptimo, mas as QUIEJADINHAS, bem, uma verdadeiro colosso, quem as provou disse sem margem para duvidas as melhores que já tinham provado até aquele dia. Fez-se a separação de tudo que tinhas trazido, assim os nossos amigos podiam provar um pouco de cada iguaria. Após isso, foi feita uma reunião de grupo ao som da chuva torrencial e com o cheirinho a café que estava a ser feito, 8 litro de café bem quentinho, para todos levarem um pouco para passar a noite. Nessa altura, é que cada um ficou a saber onde e com quem iria passar aquela noite. Depois de toda agente alertada e orientada onde iriam passar a noite, saímos com boa disposição e bem sorridentes em direcção ao café da praxe, próxima paragem TANGERINA.

 “Mas será que estávamos mesmo preparados para o que vamos encontrar?” Essa era a pergunta que residia na minha cabeça e certamente em todos que lá estavam nessa noite. Chegamos ao TANGERINA mas já estava fechada, sem demora o Armando liga para o Tony que tem café snack bar Cufra, junto ao Hospital militar do Porto, para saber se ainda estava aberto. Não estava aberto, mas rapidamente o Tony aparece para nos abrir as portas do seu café, mais um elemento sempre pronto em nos ajudar.

 E continuava a chover torrencialmente. Tomamos um café e as meninas foram fazer o seu xixizinho da praxe.  Meu próximo destino, Bairro do Aleixo. Era ali que juntamente com a Noémia Neves e a Noémia Pascoal iríamos passar a noite na tenda do ”Poeta”. Chegada ao Aleixo, o Fernando levou-nos até à tenda do “Poeta”. Até à tenda tivemos alguns obstáculos para ultrapassar, primeiro tínhamos que passar por um gradeamento, onde apenas tinha uma das pontas solta, eu e as Noémias tivemos algumas dificuldades em passar, derivado algumas coisa que levávamos para passar aquela noite, logo de seguida um carreiro de terra repleto de água à altura do tornozelo, veio me logo à cabeça: bem se isto está assim aqui mais a baixo junto à tenda do “Poeta” deve de estar bonito deve. Mas lá continuamos o caminho, não muito longo mas bem molhado.

 Chegamos à tenda do “Poeta” e lá estava ele á nossa espera, não estava só como era suposto. Visto o mau tempo que estava, o “Poeta” acolheu um dos amigos da rua por nós também conhecido, em que decidi dar o nome o “Cara de Anjo”, foi esse o nome que o “Poeta lhe chamou duas ou três vezes. com um breve comentário disse: “Vi que ele não tinha um local abrigado da chuva para ficar, olhei para o meu menino com cara de anjo não consegui deixá-lo na rua, convidei-o a ficar cá, mesmo sabendo que iríamos ficar mais apertados”, mas ambos com um sorriso da nossa chegada, um pouco envergonhados e diz o “Poeta”, ”Entrem, isto é pequeno mas cabemos cá todos com jeito”, pedindo continuamente muitas desculpas pela suas humildes instalações.

Lá nos instalamos com alguma dificuldade, mas coubemos os cinco dentro da tenda que supostamente dava só para duas pessoas. Depois da toda a azáfama e todas as manobras logísticas, demos a conhecer ao “Poeta e ao Cara de Anjo” que tínhamos uma serie de iguarias, café e coca-cola, para a longa noite que tínhamos pela frente, ficaram ainda mais contentes, mas não conseguiam disfarçar um certo desconforto, preocupados com a nossa comodidade. “Poeta”, o porquê de nome de “Poeta”? No meu primeiro dia de ronda a 12 de Dezembro de 2010, fui surpreendido, com o “Poeta” a recitar poemas e pensamentos que tinha escrito, em momentos de maior solidão e triste com a vida, e um outro de alegria por nos ver todos os domingo, como uma vez nos dedicou. Mas vamos dar continuidade ao momento que estávamos…. Sabendo eu da sua capacidade da escrita e recitação de poemas, lancei logo o primeiro desafio para o nosso “Poeta”, recitar alguns dos poemas da sua autoria. E assim foi procurar nas suas coisas.

Encontrou dois papéis envelhecidos pelo tempo e pela humidade sentida na sua tenda. E recitou o que tinha escrito: Como um barco solitário Contra um mar encapelado Sem meta e sem esperança Cortando as vagas alterosas Escondendo-me na sua espuma Sou barco, sou comando, sou náufrago Apenas tábua, sem tábua de salvação Vento que ruge, as ondas que cantam o salmo da minha morte E olho o mundo ao longe, ele acha que venho despedaçado Mas eu não grito por socorro, Porque o mundo já não me ouve e eu não quero que me ouça Porque estou cheio de viver Não não tremam, não sofram por mim Vou pelos caminhos do tempo Do tempo que me resta…..

Quando caio na frieza da realidade Não consigo imaginar a aturar-me a mim próprio Parabéns aos meus mais chegados Estava eu pensando insistentemente como um escravo na sua passada Continua a ribar na sinergia que é a confusão do meu presente Mas convicto do tal dito, consigo prever e visualizar Como vai ser triste e negro o amargo do meu futuro Esta foi apenas o início de uma noite na companhia dos nossos amigos. O Cara de Anjo, quis absorver tudo tão intensamente, que conforme o Poeta lia, o Cara de Anjo ia comendo e bebendo. O Poeta termina e prova também as iguarias que tínhamos levado. Minutos depois, os nossos amigos tinham vontade e necessidade de mais um “Caneco”. Após mais um ritual que partilharam os dois, o Cara de Anjo alguns minutos depois adormeceu. O Poeta continuou a noite connosco.


E assim me despeço com um grande abraço e não desistir é a palavra de ordem….

José Carlos Leitão...

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